1.8.06

fomos almoçar do outro lado do rio

fomos almoçar do outro lado do rio que separa o sul do norte. ela trazia o cabelo apanhado do lado esquerdo por um travessão um pouco mais escuro do que a cor dos seus olhos castanhos. caminhámos sobre um paredão que era de grandes blocos de calcário. alguns com faces cristalizadas, como restos de manchas de sal. nuvens brancas imobilizadas recortavam o azul sem fundo do céu. talvez cúmulos, não me lembro ao certo da classificação desses seres tão instáveis e frágeis como nós. não ouvíamos os nossos passos, nem o som das ondas pequenas que se desfaziam sobre a areia húmida e brilhante. visto de cima o que se via do mar era transparente como a sua pele descoberta por onde se viam correr veias violetas. não sei de que falávamos se bem que prestasse atenção ao que me ia dizendo. talvez só respondesse para que pudéssemos continuar falando. não estava frio nem calor e como já disse não havia vento. quando parámos foi para voltar para trás, refazendo o mesmo caminho em sentido inverso. continuámos falando. lembro-me com uma nitidez absoluta do seu sorriso feliz e dos seus olhos belos. mas não me lembro de uma só palavra, como se se tratasse de um filme mudo. a certa altura, no entanto, comecei a ouvir os nossos passos e logo depois o barulho da água que estava ali ao nosso lado estendida até ao horizonte, ténue linha de abraço entre duas cores. então ela começou a correr para a frente e depois voltou-se gritando-me que a seguisse não ouvi as suas palavras mas li-as nos seus lábios, (vertigem de toda a paisagem). sorri-lhe e continuei a andar com o mesmo passo. não sei se a cheguei a alcançar.

No comments: