23.12.16

querido meu menino atormentado

Começámos a estar juntos todos os dias, ou quase. Ela era muito famosa, o que obrigava a certas precauções e cuidados que ocupavam a minha atenção, me entretinham e me comunicavam um poder de mim até então desconhecido. Olhavam para ela e depois olhavam para mim. Frequentávamos dois ou três restaurantes onde nos reservavam mesas discretas e protegidas. Mesmo assim fomos cercados por um bando de adolescentes saídos sabe-se lá de onde. Reconheciam-na dentro do carro e começavam a buzinar como se se tratasse de um casamento. Era impossível andar nas ruas sem ser parado por admiradores que pediam autógrafos em maços de cigarros, sobre a pele, onde quer que fosse. Eu achava graça. Tinha menos por onde chorar. Quando a minha mulher que eu adorava veio a saber telefonou-me. Estava furiosa. Gostei de a ouvir assim, como se continuasse a pertencer-lhe. Eu não estava bem, ainda tinha muitas recaídas. Continuava a ser assolado por uma tristeza que me obrigava a fechar todos os estores e a deitar-me esticado na cama. Quando estava muito mal o corpo que trouxera de novo a voz da minha mulher aparecia, sentava-se ao meu lado no bordo da cama e cantava-me uma cantiga baixinho, de embalar, como se eu fosse um menino perdido e atormentado. Depois deitava-se sobre mim e fazia tudo o que é preciso fazer sem que eu fizesse nada até se ouvirem gritos e, de súbito, um profundo silêncio. Pedia-lhe perdão. Dizia-me que eu não tinha de pedir desculpa de nada, que era bom assim.

14 comments:

Anonymous said...

Nao te incomodava, mesmo?

Helena said...

nada
:)

sónia said...

Só para dizer que passei por aqui! Sem comentários extra! ;)

Helena said...

;)

Lyra said...

este é de todos os teus blogs aquele que mais me toca. gosto muito daqui. muito.

Helena said...

(eu também, e tenho saudades do Pedro...

tenho que ir vê-lo e contar-lhe as novidades daqui
;)***

Lyra said...

houve uma altura em que lia tudo tudo do Pedro Paixão. Comprei uma série de livros dele e "devorei-os". Depois quando comecei a "endoidecer" (para os outros, que para mim foi a altura de maior lucidez, acredito que quanto mais perto estamos da loucura mais perto estamos de deus, ou dos anjos ou do que seja. do céu se calhar. a alma toma conta de nós.)voltei a ler o P.P. novamente. Dei alguns livros dele a amigos. gosto de dar os livros de que gosto aos amigos. Só o principezinho , já comprei 7! E tenho apenas um. Ontem li um livro da Rosa Lobato Faria " a trança de Inês". Conheces? Uma coisa alucinante.

Helena said...

não! :)


eu dei uns 20 siddarthas e uns 15 papalaguis, e uns 15 profetas...
;D***


(ando louca com o lobo, o antónio...
*ai*

Lyra said...

:))papalaguis dei 4. :) mania de achar que sou unica :) eu a achar que era a unica que dava e comprava (supostamente para mim, ate achar que o amigo X ou o amigo Y deveria ler, que lhes faria bem)os mesmos livros uma série de vezes.


disse o Lobo ""Os leitores são umas putas, amam-nos e depois deixam-nos."

gosto dele também. mas eu sou de fases como a lua e de paixões avassaladoras. Se gosto de um autor leio-o até á exaustão. até já não o poder ler :) depois arranjo uma nova paixão e o ciclo repete-se. um dia mais tarde ou mais cedo volto sempre aos amores antigos. Por acaso foi por um dia ler aqui um texto do P.P. que fui buscar a noiva judia e viver todos os dias cansa.

:) **

(nao era suposto ter ficado com tanta distancia entre as palavras :).)

Anonymous said...

Gostei...vou voltar!

Mpalma said...

Se fosse assim tudo tão... simples!...


Beijo no coração*

Helena said...

foi simples
:)

i said...

Olá

Como um dos meus blogs eleitos lanço-te aqui um desafio que espero sinceramente que aceites.

Abssinto said...

Pedro Paixão e Lena D´agua...Há coisas que não se explicam mas que batem tão certo! E a Lena já tinha em comum o conhecimento António Variações, o meu culto.

Obrigado pela música e pelos blogs.

beijinho