6.10.05

HELENA

Recebo cartas de raparigas de doze anos. Querem ser cantoras e mandam beijinhos. Já não respondo. Teria de ser cruel. De resto ninguém me escreve.
Ninguém me convida que me apeteça aceitar. Saio sozinha, encontro alguns amigos nos locais do costume, e volto sozinha. Dói-me muito ver a cama vazia. Parece-me injusto. Cada vez é mais difícil. As coisas do quarto, a cama, as duas cadeiras, as cortinas caídas fazem-me sentir como se eu estivesse ali a mais, como se fosse uma intrusa.
Às vezes dormem comigo. Mas é só uma infidelidade que cometem para provarem a si próprios que afinal ainda estão muito presos às namoradas. Quando pedem desculpa ainda são mais miseráveis.
E eu continuo a cantar cantigas que só imploram, rogam amor e ninguém me ouve.
Mais valia não terem palavras, só suspiros e gritos e choros. Talvez alguém ouvisse. Talvez alguém entendesse.
É como se estivesse a rezar diante de uma parede de pedra e tivesse por única resposta o eco da minha voz. Estou cada vez mais sozinha.
Depois de cantar ninguém me agarra e diz: “Quero-te como não é possível querer mais alguém. Leva-me contigo. Ou então eu levo-te comigo.” Não. Pedem autógrafos, para as namoradas, ou para os filhos, ou para mostrarem aos amigos. Tocam-me mas ninguém me agarra. Querem só tocar. Batem nos vidros da carrinha, riem-se e eu rio-me.
Estou muito cansada. O meu coração está muito pesado.
Passaram tantos por mim. Porque não ficou nenhum? Para que passasse um teriam que passar todos os outros? Teria mesmo que ser assim?


P.

3 comments:

Sara Mota said...

Ui...

...

:)*

sónia said...

Fantástico! Obrigada pela partilha!

Anonymous said...

Adoro, escreve demasiado bem, é quase ofensivo