24.2.06

História da princesa moura e do dragão azul

Esta é a história
de uma princesa moura das terras quentes do sul
e de um dragão azul - que era afinal um príncipe
das terras altas do norte

Andava a princesa desaustinada, numa noite de temporal
e absolut vodka, num reino que ficava equidistante.
(Ela não sabia do que andava à procura.)
Entrou na sua carruagem puxada por noventa cavalos e tinha apenas percorrido alguns metros quando se lhe atravessou no caminho um jovem dragão azul com figura de príncipe, molhado como um pinto por causa da chuva que caía muito forte. Ela parou, baixou o vidro da carruagem, e ele quis saber que música vinha ela a ouvir e para onde ia ela àquela hora da madrugada.

Logo aí a moura percebeu que era um dragão azul das terras altas do norte que lhe falava a sorrir, e foi sem ela se dar conta que ele a raptou, convidando-a para sua casa...
Ainda se perderam, porque o belo dragão ainda não sabia de cor o caminho de casa.
Mas a princesa deixou-se levar até ao castelo, feliz por acreditar que o dragão não lhe iria fazer mal - quem sabe seria um príncipe? (Parecia mesmo um príncipe que ela já tinha visto num filme!...)

Encontraram-se numa noite de temporal
entre o norte e o sul
e foi ela que o guiou
sem saber que estava a ser raptada

Quando chegaram ao castelo o príncipe abriu a porta devagar e entraram os dois pé ante pé, pois todos se encontravam já a dormir.
Os aposentos continuavam mergulhados na penumbra da madrugada e a princesa moura ficou a saber que no castelo não havia luz nem água, e por isso foi preciso acender uma vela.
Conversaram de música e cinema durante um bocadinho, mas o dragão dentro do príncipe começou a beijar a moura, que estava cheia de medo.
(Não é todos os dias que uma moura é raptada por um dragão azul das terras altas do norte!...)
E cheia de medo ela se foi entregando devagarinho até deixar de ser princesa, para se transformar numa sereia nos braços do belo príncipe...
Abraçaram-se muito, beijaram-se muito, mas ela temia que o dragão fosse apenas mais um sapo, e lá se ia protegendo como podia, dando muito mas não tudo.
Queria sossegá-lo, ao príncipe, mas o dragão não queria sossegar...

E foi preciso muito carinho e ternura e paciência para adormecer o príncipe e o dragão dentro dele...

Depois a sereia procurou peça a peça as suas roupas espalhadas pelo chão e foi-se vestindo devagar e sem barulho, para não o acordar.
Ela apagou a vela, tapou o príncipe adormecido e beijou-o docemente na face. Ele sorriu, sem abrir os olhos.
E a moura disse "Até logo".
Encantada.

L.A.
Coimbra, 1998

Só uma vez

Coimbra é uma cidade perigosíssima. Nunca se sabe o que pode acontecer. O mais certo é não acontecer nada. É isso que faz aumentar o perigo. Quando as possibilidades se reduzem, a intensidade do que acontece aumenta exponencialmente. Isto é uma teoria que eu tenho e que por vezes se verifica.

Entrei no Captain e vi-o. O amor tinha menos quinze anos do que eu, um menino lindo. E tinha aquele ar escocês porque tinha estado dois anos em Inglaterra a tentar estudar Biologia, mas não tinha aguentado não sei o quê. Quando demos por isso eu já lhe estava a mexer e ele já me estava a mexer. Em Coimbra é perigosíssimo. As noites duram semanas, saltam-se as estações e os corações vêm à boca para se morder. Quando saímos atravessámos um jardim de árvores muito altas e copas muito escuras e levou-me para casa dele. Uma mansão abandonada, sem electricidade nem água canalizada. Tinha chegado há pouco tempo, disse-me ele. Eu não queria saber. Achei um luxo, vinte velas acesas e uma lareira frente à cama para onde me atirou ou onde tropeçámos e caímos. É claro que agora tudo é perigosíssimo e tive de o ir acalmando como pude, devagarinho. O meu menino, eu já gostava tanto dele. E fizemos o que foi possível fazer e é sempre tanto, sempre demais. Por fim adormeceu a falar-me na mãe dele. Depois saí para ir ao encontro do meu marido que me esperava impaciente no hotel, desejando que eu o satisfizesse, o que foi um duplo prazer porque trazia ainda comigo nos olhos fechados o meu lindo escocês.
Em Coimbra é perigosíssimo. Tudo acaba sempre por acontecer. Mas só uma vez.



Pedro Paixão
Nos teus braços morreríamos, 98