24.12.16

pirilampo

foi a teu lado que me deitei pela
primeira vez num prado, lembras-te?
foi a teu lado que olhei por várias
vezes o céu enorme e estrelado e me
senti acompanhado.
foi a teu lado que chorei e ri, e quando
me perdi me mandaste tomar um duche
de água fria (por causa da Natureza...)
foi a teu lado que parti vidros e
gritei e depois adormeci sem saber como, encantado.
foi a teu lado, ao teu lado, em teu lado
que cresci e aprendi também a ser assim,
- pirilampo -
aquele que pelo escuro se vai iluminando. p.p.

23.12.16

querido meu menino atormentado

Começámos a estar juntos todos os dias, ou quase. Ela era muito famosa, o que obrigava a certas precauções e cuidados que ocupavam a minha atenção, me entretinham e me comunicavam um poder de mim até então desconhecido. Olhavam para ela e depois olhavam para mim. Frequentávamos dois ou três restaurantes onde nos reservavam mesas discretas e protegidas. Mesmo assim fomos cercados por um bando de adolescentes saídos sabe-se lá de onde. Reconheciam-na dentro do carro e começavam a buzinar como se se tratasse de um casamento. Era impossível andar nas ruas sem ser parado por admiradores que pediam autógrafos em maços de cigarros, sobre a pele, onde quer que fosse. Eu achava graça. Tinha menos por onde chorar. Quando a minha mulher que eu adorava veio a saber telefonou-me. Estava furiosa. Gostei de a ouvir assim, como se continuasse a pertencer-lhe. Eu não estava bem, ainda tinha muitas recaídas. Continuava a ser assolado por uma tristeza que me obrigava a fechar todos os estores e a deitar-me esticado na cama. Quando estava muito mal o corpo que trouxera de novo a voz da minha mulher aparecia, sentava-se ao meu lado no bordo da cama e cantava-me uma cantiga baixinho, de embalar, como se eu fosse um menino perdido e atormentado. Depois deitava-se sobre mim e fazia tudo o que é preciso fazer sem que eu fizesse nada até se ouvirem gritos e, de súbito, um profundo silêncio. Pedia-lhe perdão. Dizia-me que eu não tinha de pedir desculpa de nada, que era bom assim.